O mais brasileiro dos estados
por Fernando H. F. Sacchetto – 08/12/2012
Dia desses me peguei discutindo com um colega sobre se o pessoal do sul de Minas tem mais jeito de mineiro ou de paulista interiorano, e cheguei a uma conclusão surpreendente: Minas Gerais não existe. Pois, se você perguntar pra qualquer um, o sul de Minas é praticamente uma sucursal de São Paulo… por outro lado, o pessoal da Zona da Mata afirma veementemente que são muito mais fluminenses que mineiros. Já o Triângulo Mineiro, se você já passou por lá, você sabe que é só um Goiás pontiagudo. E, se já conheceu alguém do norte de Minas, sabe que são baianos com o estado errado no RG. Se é que existe Minas, fica na região a um raio de uns 100 km de Belo Horizonte, e olhe lá.
Isso me deixou intrigado, pois sempre tive a nítida impressão que o estado de Minas não é só uma abstração burocrática. Apesar da crise de identidade toda, qualquer um sabe identificar quando algo é coisa de mineiro… e o pior é que acertam, seja de onde for o mineiro em questão. Os sotaques variam muito, de acordo com as associações já indicadas, mas ainda assim dá pra identificar quando alguém fala como mineiro. A culinária é igualmente variada, mas não tem como não reconhecer uma boa comidinha mineira. Mas acima de tudo, e apesar das grandes diferenças culturais, é o jeitinho mineiro inconfundível que sempre acaba entregando.
Não… de alguma forma, existe uma mineiridade que corta desde Uberlândia até Juiz de Fora, de Capelinha a Poços de Caldas. É um sorrisinho de quem sabe mais do que diz, um confiar desconfiando. É uma acolhida e gentileza sem igual, mas também sem ingenuidade. E aquele calorzinho a mais em tudo o que faz, do café à moda de viola. O lema de minas é “Libertas Quae Sera Tamen”, mas bem que poderia ser “E Pluribus Unum” – em português, “De Muitos, Um”. É na verdade o lema dos Estados Unidos, mas acho que se aplica melhor nas muitas Minas Gerais, que conseguem ser tão iguais em suas diferenças.
Ao pensar nisso, percebi que todos esses atributos me soavam estranhamente familiares. Onde que se encontra tanto calor humano, generosidade e boas-vindas, combinados com uma boa dose de esperteza e malícia? Onde que uma mistureba de influências das mais variadas consegue criar um todo coerente, uma identidade reconhecível, que surge de um mosaico de locais completamente diferentes, mas ainda assim com tudo em comum? No Brasil, claro. Por isso que eu concluí finalmente que Minas não somente existe, mas é o mais brasileiro de todos os estados. Uma combinação de imigrantes e nativos de todas as origens, capital e interior, natureza e progresso, e um quebra-cabeças de um povo com a mais brasileira das almas.
A propósito – alguns podem me questionar: Quem é você pra falar de Minas? Não é nem mineiro! Pois é, realmente não sou… e ao mesmo tempo sou. Sou um paulista que migrou para Minas e lá morou por um bom tempo, da mesma maneira que pessoas de tantas nacionalidades diferentes migraram para o Brasil. Quase todo mundo no Brasil tem antepassados que vieram de fora, há mais ou menos tempo, trazendo suas respectivas culturas – e, mesmo assim, qualquer filho de imigrantes (ou mesmo imigrante que já more aqui há algum tempo), seja de origem portuguesa, italiana, árabe, japonesa ou chinesa, acaba adquirindo uma brasilidade inconfundível, mesmo que não abandone suas raízes. Eu mesmo tenho um quezinho de italiano, e não só no sobrenome, mas nem por isso deixo de ser brasileiro até o osso – paulista, e por que não, também mineiro.